quarta-feira, março 9

Caminho pelas ruas da cidade sem destino, passo por pessoas amigas e outras apenas conhecidas, solto um olá quase inaudivel e um sorriso tão rápido que mal se vê. Quem não me conhece e olha para mim descreve-me como uma rapariga não muito alta, castanha nos cabelos e nos olhos, com um olhar vazio mas profundo ao mesmo tempo, que caminha como se dançasse um pas de deux com o vento.
Tenho os fones nos ouvidos mas o mp3 nem está ligado, prefiro ouvir a musica que a multidão faz, que entra nos meus ouvidos como palavras de conforto que outrora ouvi. Tenho o telemovel na mão, embora este não dê sinal de vida desde que o despertador tocou de manhã.
Continuo a andar, ainda não parei e já estou nisto à pelo menos duas horas. O vento aumenta a sua velocidade e o meu passo também. Rapidamente começam a cair gotas de água nos meus óculos. Eu gosto de chuva, e por isso não tenho pressa, ao contrário das pessoas à minha volta que correm para se salvarem sem os casacos novos ou os cabelos acabados de arranjar molhados.
A chuva aumenta a sua intensidade, mas eu continuo o meu caminho. Agora procuro ouvir algo que me seduza. Desejo incessantemente ouvir o blues que toca no meu telemovel quando alguém me liga, ou a vibração que faz quando recebo uma mensagem.
Mas, passados poucos minutos , não é o telemovel que me seduz mas sim um café vazio mas com uma música ambiente acolhedora. Entro e sento-me numa mesa lá bem ao canto, e uma empregada muito simpática pergunta-me se preciso de uma toalha para me secar, porque “a chuva é a melhor amiga das gripes, menina”. Eu solto mais um do meus sorrisos rápidos e digo que não é preciso, só quero um chá quente.
De repente, a chuva lá fora pára e arrependo-me de ter pedido o chá. Só queria voltar à minha caminhada. O meu pedido chega, e o estabelecimento anteriormente vazio enche-se de turistas japoneses completamente encharcados. Sorriu durante algum tempo ao ver a simpática empregada aflita e nervosa porque não entende nada do que os pobres turistas dizem. Mais uma vez, as vozes da enchente de pessoas entram nos meus ouvidos como palavras de conforto. Já me estou a habituar a isto.
Os turistas e a empregada entendem-se, ela traz-lhes toalhas e chavenas de chá para uns e de café para outros. A musica ambiente acolhedora volta a ouvir-se. Quando eu já estava perdida nos meus pensamentos, o blues do meu telemóvel começa a tocar “em alto e bom som”. Começo a tremer e nem me lembro de onde meti o telemovel, e se não fosse a vibração a denunciá-lo no bolso das minhas calças encharcadas, provavelmente deixaria-o tocar sem o encontrar. Olho para o visor e vejo o nome que mais desejava ver. Atendo e digo um olá que deve ter entoado todo o café, pois os turistas ficam a olhar para mim com uma expressão confusa.
Do outro lado da chamada, ele pede-me desculpa e diz que me ama. A água do meu corpo parece evaporar devido ao imenso calor que sinto, e as lágrimas caem-me dos olhos sem pedir licença. Digo-lhe que também o amo e que não precisa de pedir desculpa. Somos os dois uns tontos, e passados dez minutos já estamos nos braços um do outro.
A chuva começa a cair outra vez, mas agora não há café que me seduza. Apenas o olhar dele e o penteado estranho com que ele fica quando chove têm o poder de me seduzir, causando em mim um calor e conforto que mais ninguém consegue produzir.
A chuva cessa finalmente, e o nosso abraço também. Olhamo-nos pela primeiravez nos olhos desde que chegámos. Os olhos dele, castanhos e verdes, procuram em mim algo que não consigo decifrar. Talvez seja um sorriso, talvez seja um pedido de desculpas. Pelo sim pelo não, decido pedir desculpa e depois sorrir. Ele promete-me que nunca mais voltaremos a discutir e eu acredito mais uma vez.

São cinco horas da tarde, apenas passaram três desde que estava a caminhar sem destino. Agora, estamos abraçados no sofá, e temos a certeza que nada nem ninguém alguma vez conseguirá destruir este momento.

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